o ateliê maré

marina faria | impressão da gravura maré

“Riacho do Navio corre pro Pajeú, o rio Pajeú vai despejar no São Francisco, o rio São Francisco vai bater no meio do Mar” (Luiz Gonzaga / Zé Dantas)



Organizamos na escola um lugar que chamamos de ateliê, mas que era antes de tudo um lugar de descoberta e ação. Passou a ser, pela forma que tomou e pelo que se fazia ali, o centro de gravidade para alguns jovens que buscavam aprender, aprimorar-se e, sobretudo, fazer. O ateliê tornou-se o coração da escola para eles. Depararam-se com acolhimento e estímulo para trabalharem diariamente naquilo que os atraía e encontraram companhia para isso. Descobriram o trabalho e colheram os seus frutos. Os frutos foram abundantes e puderam compartilhá-los. Receberam na proporção que doaram e ficaram mais ricos.

Encontraram portas abertas, de modo que se podia entrar e sair livremente. Alguns permaneceram. O ambiente transpirava receptividade e desafio. Era um lugar exigente, embora não se exigisse nada de ninguém. O trabalho que se via ali, a intensidade e a direção que ele tomava, sua singularidade, provocavam uma tomada de posição que devia se manifestar em ação. O desafio era: “Diante disso, veja a você mesmo!” A receptividade era: “Não importa o que você veja, é bem-vindo. Se estiver interessado, venha trabalhar. Observe como eu mesmo estou me esforçando. Talvez possamos trabalhar sobre nós mesmos, juntos”. O importante é fazer hoje, fazer agora e compartilhar os frutos.

 Neste lugar não se ensinava, mas se aprendia. Trabalhando lado a lado, os mais jovens e os mais velhos se esforçavam para aprimorar-se, alargar-se no labor sobre si mesmos e compartilhar o que é possível compartilhar para que todos crescessem. Metas e desafios diferentes, mas um esforço comum. A busca foi se tornando mais clara. Ouviram dizer: “Faço isso porque faz muito sentido para mim. Se também fizer para você podemos caminhar juntos e aprender algo. Se não fizer, então, busque o que faz sentido para você. Procure sem descanso até encontrar. Mas talvez trabalhar ao lado de alguém que faz algo com sentido, não importa o que, o ajude a tornar-se mais claro em relação à sua busca. Isso pode começar aqui, agora, não deixe para amanhã. Devemos nos por a prova”.

 A imagem de um fluxo de água gravada em madeira emanava, silenciosamente, todas as lições possíveis, de modo que pouco precisava ser dito. O entalhe foi uma forma de mergulho nos significados que fluíam ali. A impressão em papel fino, uma revelação. Em torno desse núcleo que era a imagem da água, afluíam e confluíam outros fazeres: o desenho, a pintura, os exercícios físicos, os exercícios de observação em silêncio, a música, a leitura, a nutrição, a organização, o exercício do diálogo e do amor fraterno, da disciplina e da vontade. Tudo isso ocorreu muito silenciosamente, mas seus efeitos ressoam ainda hoje. Foi uma oportunidade de ouro. Nos esforçamos para não desperdiçá-la. Encontros assim são um tesouro a ser multiplicado. Cada indivíduo que encontra a si mesmo, que se apaixona pelo seu Ser a ponto de não poupar mais esforços para vê-lo florescer, é um ganho inestimável para o todo da humanidade. Vimos essa oportunidade aqui e aproveitamos.

O significado da Maré permanece aberto. Seu alcance também.

 O que tínhamos, com esperança, oferecemos a estes jovens. Naturalmente, o resultado deste trabalho, que ajudaram a construir, é dedicado a eles.