A Escotilha de Prata

ernesto bonato | foto da impressão da gravura maré

“... o mar...”

“E de todos os lados podemos ver o mar...”, disse aquilo aos jovens, depois de um longo gorgolejo, apontando o horizonte como a causa de sua alegria e de seu sofrimento. Estava tão feliz na proa da nave que esqueceu completamente da aurora machucando os seus olhos, afastando as últimas estrelas do verão no meio do Oceano Pacífico como uma lâmina em chamas. Mas logo se recuperou da vertigem e pediu para que o segurasse com cuidado para não romper as membranas gastas pela idade.

Cambaleando, foi em direção à transparência: uma cristaleira de ondas arrebentando no ar que ele, no momento, podia ver por uma escotilha.

“Sei que o sol é o berço das cores onde nasce um mundo que já não existe mais, por que a luz transformou tudo em vapor”, pensou em voz alta, tateando o éter. “Eu sei” repetiu.

Estavam protegidos por uma imensa bolha escura que pairava sobre as águas.

A espuma era o caminho, o fogo da escola entre as nuvens.

Todos se aglomeravam a sua volta para ver o que havia do lado de fora e ouvir o final da história, através de uma abertura. As guelras dos jovens ficaram vermelhas de ansiedade e o dia estava claro e quente. Muitos acordavam e dormiam nas profundezas desde que nasceram e agora, tentavam caminhar na superfície daquilo que eles ouviram falar que era o Mar e o Céu juntos, nas cidades submersas.

“A água sempre é o destino do portador de ilusões” murmurou o mais velho entre as rêmoras “e a aurora a disciplina de hoje”, respondeu o outro, na escuridão. Então, um dos alunos disse:

“Professor, é verdade que há 1000 anos podíamos caminhar na terra”?

“Isso mesmo”, respondeu a criatura flutuando.

“Há 1000 anos a terra servia para caminhar, construir e plantar, mas o Norte e o Sul despertaram com tanta força que aos poucos, nada sobrou. Nem uma ilha, nem uma rocha nua. As águas dos polos deram volume ao mundo, mais uma vez! Foi um susto quando os humanos descobriram que nós nadávamos entre os gigantes na formação do planeta, antes de congelarmos. Bem... eles desapareceram quando a terra desapareceu. E tudo mudou. A paisagem ficou ondulada, gráfica e nós, de tempos em tempos subimos para ver...”

“Que paisagem?!” gritaram.

O mar levantou com um sopro.

Havia uma escotilha de prata na linha que dividia a luz.

... e o mar surgiu...

Um a um foram saltando na água os imensos peixes voadores, lançando faíscas como se caíssem num tonel de fundição e desapareciam e apareciam na superfície do vapor, respirando como os antigos cachalotes na liberdade da crista branca, cinza, verde e púrpura da eternidade.


Ulysses Bôscolo, vésperas de viagem, dia 18 de junho de 2012.

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